Por Neudes Carvalho – é Mãe da Aysha. Militante política por raça, classe e gênero. Pesquisadora sobre o Futuro do Trabalho. Membro da Executiva Estadual do PDT de SP e presidenta estadual do movimento Negro do PDT-SP.
A economia do trabalho vem apontando sistemicamente as disparidades do mercado de trabalho quando se compara a população negra e a população não-negra. A população negra enfrenta desigualdades persistentes, apresentando maiores taxas de desemprego e informalidade, menor remuneração e ocupação de postos de trabalho mais precários em comparação com a população não negra. Essas disparidades se manifestam tanto pela discriminação no mercado de trabalho quanto por barreiras de oportunidade, como menor acesso à formação de nível superior, sendo as mulheres negras as mais afetadas.
A população negra tem taxas de desemprego e informalidade mais elevadas, com as mulheres negras frequentemente apresentando as maiores taxas. A renda média desse grupo é significativamente menor do que a da não negra, mesmo com níveis de escolaridade semelhantes. A diferença salarial é ainda maior entre homens e mulheres negras. Trabalhadoras e Trabalhadores negros ocupam, em proporção maior, postos de trabalho precarizados, com menor remuneração e menor prestígio social, além de apresentarem maior subutilização da força de trabalho (pessoas que gostariam de trabalhar mais horas).
Análises indicam que a desigualdade salarial não é explicada apenas pelas diferenças em qualificações e oportunidades, mas também por tratamento diferenciado no mercado de trabalho, evidenciando a existência de discriminação. 30% dos lares brasileiros são chefiados por mulheres negras. Dentro e fora de casa, boa parte do tempo delas é gasto com o cuidado de outras pessoas. Apesar disso, essas mulheres são pouco valorizadas: ganham em média menos da metade do recebido pelos homens brancos.
A desigualdade no mercado de trabalho é um problema econômico sério, pois exclui parte significativa da população de gerar renda e contribuir para o crescimento econômico, impactando a produtividade e o desenvolvimento do país. Há uma disparidade na capacidade de pessoas negras em obter formação universitária, o que é um dos obstáculos para a ascensão profissional. Além das barreiras de oportunidade, a discriminação no ambiente de trabalho, mesmo entre indivíduos com qualificações equivalentes, é um fator central que perpetua a desigualdade salarial. As desigualdades no mercado de trabalho para a população negra são resultado de um longo processo histórico de exclusão e discriminação. A população negra se concentra em setNo Brasil, diferentes formas de discriminação se combinam. Duas das mais marcantes são as de sexo e de cor/raça. Há uma interseccionalidade entre elas, uma reforçando a outra. De um lado, as mulheres negras carregam os dois tipos de discriminação. De outro, os homens brancos, ainda que de maneira heterogênea, não passam pelos mesmos processos discriminatórios.
O mercado de trabalho é um dos ambientes em que as discriminações são mais facilmente perceptíveis. Nesta seção, os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (PnadC/IBGE), referentes ao 2º trimestre de 2025, são usados para comparar a desigualdade de tratamento no mercado de trabalho entre mulheres negras (isto é, pretas ou pardas) e homens brancos.ores como construção civil, transformação, comércio e serviços. No entanto, dentro desses setores, ainda enfrenta a precariedade e a desigualdade salarial. Além das discriminações que sofrem no trabalho remunerado, as mulheres negras também acumulam cada vez mais a responsabilidade pelos lares onde vivem. Quase 24 milhões de domicílios brasileiros são chefiados por elas, o equivalente a 30% do total de lares no país. A proporção de mulheres negras que carrega essa responsabilidade também é maior do que a de homens brancos. Enquanto 39% delas, de qualquer idade, são as responsáveis pelo domicílio, cerca de 37% dos homens brancos estão nessa situação. As mulheres, em geral, enfrentam mais dificuldades de inserção ocupacional. As negras mais ainda. Há mais mulheres negras fora do mercado de trabalho do que trabalhando. Embora a quantidade de mulheres negras ocupadas seja semelhante à de homens brancos, o número de negras fora da força de trabalho é mais do que o dobro do de homens não negros. No segundo trimestre de 2025, havia 23,9 milhões de mulheres negras totalmente fora do mercado de trabalho e 2 milhões de desocupadas, ou seja, que estavam sem trabalho, mas procurando emprego. Além disso, 39% das mulheres negras trabalhavam na informalidade, enquanto 31% dos homens brancos estavam nessa situação. Cerca de 40% delas não contribuem para a Previdência Social, contra 34% dos homens brancos.
As tarefas de trabalho não remunerado, como afazeres domésticos e cuidados com crianças, idosos, doentes e pessoas com deficiência, são delegadas muito mais frequentemente às mulheres. Por ano, elas gastam 21 dias a mais do que os homens nessas atividades, o que faz com que fiquem sobrecarregadas e torna muito mais difícil para elas o acesso e a permanência em trabalhos remunerados. A situação é agravada pela ausência de políticas públicas de compartilhamento dessas responsabilidades. A insuficiência de creches e equipamentos públicos de cuidado, a precariedade dos serviços de saúde e as dificuldades de mobilidade urbana tornam o cotidiano das mulheres, sobretudo das negras e pobres, ainda mais exaustivo. A taxa de desocupação entre as mulheres negras é o dobro da dos homens brancos: 8,0% contra 4,1%. Quando ambos são chefes de domicílio, a diferença é ainda maior. O rendimento médio das mulheres negras é 53% inferior ao dos homens brancos. Isso significa que, em média, uma mulher negra que trabalhou o ano todo recebe R$ 30.800 menos do que um homem branco trabalhando no mesmo período. Entre chefes de domicílio, a diferença é maior. Além disso, metade das mulheres negras (49%) que estava ocupada ganhava, no máximo, um salário mínimo. Entre os homens brancos, a proporção era de 20%. Quando se trata de escolaridade, apenas 14% das mulheres negras possuíam ensino superior completo. Entre os homens brancos, 24% tinham esse nível de ensino. Independentemente do nível de instrução, a desigualdade é alta entre os dois grupos populacionais, mas é mais elevada entre pessoas com mais anos de estudo. Mulheres negras com ensino superior ganhavam menos da metade que os homens brancos, isto é, R$ 4.837 a menos por mês ou R$ 58 mil a menos por ano. A discriminação também aparece quando se observa a proporção de pessoas em cargos de direção. Entre os homens brancos, um em cada 17 trabalhadores era diretor ou gerente. Já entre as mulheres negras, apenas uma em 46 estava em cargos de chefia. Infelizmente nenhum desses dados é novidade. Infelizmente, é possível acompanhar um retrocesso sequente nos dados que se referem ao mercado de trabalho no Brasil; Seja a pessoa preta celetista, seja ela autônoma.
A renda do trabalho principal de pessoas negras correspondia, em média, a 58,3% da renda das pessoas brancas no período de 2012 a 2023. O dado é de um levantamento divulgado nesta sexta-feira (21) pelo Centro de Estudos e Dados sobre Desigualdades Raciais (Cedra). 

O estudo baseia-se em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com os dados, a renda média do trabalho principal das pessoas negras em 2012 era de R$ 1.049,44; e a das brancas, R$ 1.816,28. Já em 2023, essa diferença passou a ser de R$ 2.199,04 (negras) e R$ 3.729,69 (brancas). O resultado mostra que houve uma redução de 1,2 ponto percentual na desigualdade entre os grupos, no período.
O levantamento mostra também que, no período de análise, a renda média do trabalho doméstico realizado pelas mulheres negras correspondia a 86,1% da renda das brancas. Em 2012, essa renda equivalia a R$ 503,23 para negras e R$ 576, para brancas.
Dez anos depois, em 2022, as mulheres negras recebiam, em média, R$ 978,35 e as brancas, R$ 1.184,57. Na comparação com os dados de 2012, a desigualdade entre esses grupos aumentou 4,8 pontos percentuais.
Os dados de emprego do IBGE levam em consideração o universo da população com 14 anos ou mais de idade e todas as formas de trabalho. O nível de informalidade é mais uma forma de enxergar a desigualdade racial no mercado de trabalho do país.
Em 2023, a proporção de pessoas em ocupações informais era de 40,7%. Mas ao se analisar por cor, identifica-se que a informalidade entre os brancos era de 34,3%. Já entre os negros 45,8%.
Trabalhador informal é o que não tem garantido direitos como férias, contribuição para a previdência social e 13º salário.
A publicação do IBGE registra que os dados correspondem “a uma característica estrutural do mercado de trabalho brasileiro desfavorável aos trabalhadores de cor ou raça preta ou parda”.
Os pesquisadores se debruçaram também em dados da chamada subutilização da mão de obra brasileira. São pessoas que estão desocupadas, que têm jornada de no máximo 30 horas semanais e gostariam de trabalhar mais, que procuraram trabalho e as que não chegaram a buscar, mas querem uma ocupação.
A taxa de subutilização foi de 18% em 2023, sendo que para os brancos somou 13,5%. Já para pretos e pardos, 21,3%. A desigualdade está presente também em relação ao sexo. Para os homens a taxa foi de 14,4%, superando a das mulheres, 22,4%.
As desigualdades que atravessam o trabalho das mulheres negras no Brasil não são resultado do acaso, mas de uma estrutura econômica e social que hierarquiza vidas com base na cor e no gênero, reproduzindo desigualdades históricas e naturalizando a precarização. O enfrentamento desse quadro exige reconhecer o papel central das mulheres negras, como trabalhadoras, cuidadoras e pilares de sustentação das famílias e comunidades, e assegurar que esse reconhecimento se traduza em políticas públicas efetivas. Valorizar o trabalho em todas as formas, garantir proteção social, combater o racismo estrutural e o sexismo e promover condições para o bem viver são passos fundamentais para a construção de um país verdadeiramente democrático, justo e igualitário.
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