Leo Lupi e Lucas Alvares
(Publicado na edição #001, p. 05)
Martha Mesquita da Rocha, presidente do Diretório Estadual do PDT desde 30/1, é uma mulher metódica. Observadora como os delegados de carreira costumam ser — ingressou na Polícia Civil como escrivã em 1983, se tornou delegada sete anos depois e, em 2011, se tornou a primeira mulher a chefiar a corporação — ela mescla o sorriso fácil com breves anotações em uma caderneta em cada reunião que faz. Guarda nomes e números com destreza e sabe recorrer aos aspectos históricos do trabalhismo para ajudar a fundamentar posicionamentos sobre a realidade atual. Afinal, foi no segundo governo de Leonel Brizola (1991–1994) que Martha assumiu o Departamento Geral de Polícia Especializada, após o êxito na implementação das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher.
Deputada estadual desde 2015, é líder da bancada trabalhista na Alerj e uma das mais destacadas parlamentares da Casa, especialmente por sua atuação na CPI do Feminicídio e na Comissão de Saúde da Assembleia, fundamental para o impeachment do ex-governador Wilson Witzel. Agora, chefiando o PDT-RJ em decorrência da nomeação de Carlos Lupi como ministro da Previdência Social, Martha aponta para a interiorização da gestão estadual do partido como um dos principais norteadores de sua gestão. Em entrevista exclusiva à EMBAÚBA, a nova presidente abriu o jogo sobre temas como a participação das mulheres na política, a defesa das pautas de sustentabilidade e fez uma homenagem ao ex-presidente municipal do PDT do Rio, o advogado Trajano Ribeiro, que morreu no último mês de fevereiro.
EMBAÚBA: A Sra. assumiu a presidência do partido político que tem o maior número de filiados em todo o estado do Rio de Janeiro. Qual é, no seu entendimento, o principal desafio da sua gestão à frente do PDT-RJ?
Delegada Martha Rocha: O PDT tem uma história no Rio de Janeiro e nós teremos daqui a pouco o desafio de 2024 (eleições municipais). Então, eu sempre digo que o que a gente vai fazer é fortalecer o PDT, fazer a interiorização do partido. Em qualquer lugar que a gente vá, mesmo que o partido não esteja estruturado naquele município ou naquela localidade, a história do PDT chega na frente da nossa ida até aquele local. O que a gente tem que fazer é levar a história do PDT, fortalecer os diretórios já existentes e ficar a bandeira do trabalhismo onde a gente não tem o PDT estruturado, mas onde já há, de alguma maneira, as ideias trabalhistas. Vamos visitar esses locais e promover encontros para tratar de temas que são importantes para a população.
E: Atualmente, o PDT governa os municípios fluminenses de Niterói, Cabo Frio, Japeri e Carmo. Existe uma expectativa muito grande pela filiação de novos prefeitos e vereadores, tendo em vista o pleito de 2024…
MR: Existem partidos que não alcançaram a cláusula de barreira e que, portanto, os seus parlamentares podem buscar novas identidades partidárias. Isso é um efeito cascata. A gente conversa com os prefeitos, mas também com os parlamentares. Temos algumas conversas com prefeitos que não são do PDT, mas que estão buscando o PDT para alianças em 2024, e a gente acredita que mais à frente poderiam se filiar. Esse não é um movimento do primeiro semestre de 2023. É um movimento que vai se consolidar no primeiro semestre de 2024, mas nós temos a convicção de que vamos aumentar o número de candidatos a prefeito, e onde nós não conseguimos ter uma candidatura, o nosso interesse é fortalecer as candidaturas das câmaras de vereadores. E quero te dizer que, para mim, a eleição de vereador é a eleição mais difícil que existe. Eu trago comigo isso. Então eu acredito que verdadeiramente agora esse é o momento de conhecimento, de interlocução, mas eu tenho convicção de que no primeiro semestre de 2024 nós teremos uma nova realidade pela história que o PDT tem no Estado do Rio de Janeiro.
E: Como a Sra. vê a participação feminina nessa gestão à frente do PDT? De que maneira as mulheres estarão presentes na sua gestão?
MR: Estamos observando o aumento da participação da mulher na política. Uma frase que eu gosto de repetir diz que “o lugar da mulher também é na política”, e eu acho que não basta ser mulher, eu acho que você tem que ser mulher e comprometida com as causas feministas. Temos no partido lideranças feministas muito importantes. Nós temos Juliana Brizola, nós temos nossa queridíssima Ana Paula (Matos), vice-prefeita de Salvador. Nós temos a Isabella de Roldão, nós temos a Duda Salabert, nossa primeira deputada transexual, que a gente se orgulha tanto… Então, eu acho que o PDT tradicionalmente tem importantes lideranças feministas exercendo a atividade política, seja através do mandato legislativo ou seja no Executivo, ou mesmo como militantes. E a gente sem dúvida nenhuma vai fortalecer as ações.
E: Ainda no tema da participação social, o PDT-RJ tem a sua história marcada pela atuação dos núcleos de base. Como recuperar o interesse da população das favelas pela militância partidária?
MR: Essa não é uma tarefa fácil. A realidade hoje é muito mais difícil, as pessoas hoje param menos para pensar política. Essas mesmas organizações (associações de moradores) que durante muito tempo tiveram notoriedade, convivem hoje com uma a relação do político que é mais pessoal com o morador do que com a associação. Não é fácil para partido nenhum. O que nos diferencia é que nós temos história e uma memória afetiva na vida dos brasileiros e na vida do povo do Estado do RJ. Nessas conversas que eu estou tendo, muitas vezes com pessoas de fora do partido, não há alguém que não tenha história dos CIEPs e do Brizola para contar. A gente tem esse ativo afetivo da memória, da história, e a nossa ideia é utilizar a nossa militância para promover essa interlocução.
E: Nesse início de 2023, a Sra. Tomou posse para seu terceiro mandato como deputada estadual na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Dessa vez, será o momento de presidir a Comissão de Servidores Públicos. Quais são suas prioridades para o novo mandato?
MR: Quando eu olho para trás e penso que em 2026 eu terei 12 anos como deputada, vejo como o tempo passa rápido, e que não temos tempo para errar. Em minha vida como parlamentar, a cada legislatura eu procurei presidir uma comissão diferente: no primeiro mandato, a segurança. No segundo, a saúde. Fui a primeira pessoa a identificar desvio de dinheiro público que deu base ao processo de impeachment do então governador Witzel. Agora, estou na Comissão de Servidores Públicos, que sempre foi uma causa do PDT. Temos vários concursos das áreas da segurança e outras que precisam ser resolvidos; temos o plano de cargos e salários da saúde que precisa ser implantado definitivamente; o professor no RJ tem um dos piores salários do Brasil, temos grandes desafios para ser colocados. Aliado a isso, eu tenho me dedicado à questão climática: sou autora do Projeto de Lei que estabelece o Programa Estadual de Enfrentamento aos Desastres Climáticos. Fiz pedido de CPI para apurar violência contra a mulher nas redes sociais e tenho atuado também na questão do consumidor. A segurança pública continua sendo uma área de interesse minha, mas não está sendo o único norte do meu mandato, pois tenho trabalhado outras questões.
E: Em 2022, tivemos os centenários de nascimento de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, que acabaram sendo comemorados modestamente pela coincidência com o período eleitoral. Quais ações o partido no RJ pode adotar para preservar o legado dos dois?
MR: Eu fui signatária de um requerimento de uma audiência pública na Comissão de Cultura e na Comissão de Educação (da Alerj) para tratar da questão dos animadores culturais, um traço Darcy Ribeiro de ser. Estamos vivendo um momento sério que é a interdição da Escola Estadual Martins Penna, de teatro, também obra do Darcy. Eu acho que a gente, talvez por ter tido centenário de Brizola, não tenha dado o devido valor ao centenário de Darcy Ribeiro. A grande homenagem que a gente pode fazer a Darcy no seu centenário é a defesa dos animadores culturais, da Escola Martins Penna, da educação em tempo integral, e não em contraturno, o respeito ao magistério, o respeito à cultura. No exercício do nosso mandato a gente pode fazer a defesa e a luta pelos ideais que Darcy trouxe durante a sua vida como senador, secretário, político e como militante em defesa da educação de qualidade.
E: Aproveitando a homenagem aos líderes trabalhistas, em fevereiro perdemos Trajano Ribeiro, signatário da Carta de Lisboa, ex-presidente municipal do PDT no Rio e uma referência para todos nós. Como foi a sua convivência com ele?
MR: Eu costumo dizer que a vida dá sinais, e nós não conseguimos entender esses sinais. Eu era uma jovem delegada que teve a minha primeira titularidade na Zona Oeste do Rio, quando fui designada para ser delegada titular da Delegacia de Mulheres, e na inauguração da delegacia eu conheci o governador Brizola, que ali estava para inaugurá-la. Num segundo momento, fui designada para a Delegacia Especial de Atendimento ao Turista. Naquela ocasião, eu era a vice-presidente da comissão na Polícia Civil que organizou a Rio 92. Quando fui designada para a delegacia, o nosso companheiro Trajano era o secretário de Turismo. Foi o responsável por implantar aquela delegacia. Depois, quando eu cheguei ao PDT e o reencontrei, conheci um outro lado, o lado signatário da Carta de Lisboa, autor de livro que conta a história de Brizola e do trabalhismo*. Foi uma perda inenarrável. Quinze dias antes do Trajano morrer, ele me ligou e disse assim: “Quero conversar com você”, e eu disse “Tá bom!”, estávamos muito próximos do carnaval e ele brigou comigo e disse que o carnaval estava muito longe e que queria falar comigo logo, e dois dias depois nos falamos sobre o partido, eu ouvi as opiniões dele. Trajano era uma pessoa presente, não havia uma reunião das segundas-feiras em que não estivesse presente, em todas as questões sensíveis ele estava presente. Nos encontrávamos na Executiva Nacional, no diretório. Ele me ajudou muito na minha candidatura a prefeita do Rio, pois tinha uma interlocução com a área do turismo. Por meio dele a gente conseguiu fazer reunião com o setor. Tivemos uma perda muito grande. Ele estava no seu vigor físico e no seu vigor intelectual. Lá do céu, já se encontrou com Darcy, com governador Brizola, com Doutel (de Andrade), com Cibílis (Viana), com tantos companheiros que fazem parte da história bonita do PDT.
Leo Lupi é jornalista e vice-presidente RJ da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.
Lucas Alvares é jornalista, professor universitário, pesquisador em Memória Social, diretor do Instituto da Brasilidade e secretário de Formação e Capacitação da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini RJ.