Sobre riqueza e a vida que queremos

Desenvolvimento | Bruna Werneck

(Publicado na edição #001, p. 37)

De acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional, em 2023, o Brasil é o país com o 10º maior Produto Interno Bruto (PIB) do mundo. Esse feito é comumente divulgado como “10º país mais rico do mundo”. Será? À frente do Brasil nessa lista, há países com população menor do que um terço da nossa: enquanto o Brasil tem cerca de 216 milhões de habitantes, Reino Unido e França (respectivamente, 6º e 7º maiores PIB) têm menos de 70 milhões cada um, Itália (8º PIB) não chega a 60 milhões e Canadá (9º PIB), 40. Se dividirmos toda a riqueza do país pelo número de habitantes, chegamos a uma figura completamente diferente. No mesmo relatório do FMI, na lista de PIB per capita, o Brasil despenca da 10ª para a 79ª posição no ranking. E, pior ainda, quando ajustado por poder de compra, cai mais 8 posições e figura em 87º.

Fala-se muito nas desigualdades na sociedade brasileira. Elas existem, são muitas e graves: desigualdades de renda, patrimônio, gênero, raça, oportunidades educacionais e muitas outras. Mas para além dos problemas de distribuição que temos, é urgente encararmos a realidade de que não geramos riqueza suficiente para garantir uma vida digna a todos os nossos cidadãos. Se almejamos oferecer um padrão de vida minimamente próximo aos dos países que admiramos, precisamos ter recursos per capita semelhantes aos deles para investir em políticas públicas. Para isso, precisamos direcionar nossa política econômica para, não apenas distribuir melhor o que temos (“botar o pobre no orçamento”), mas paralela e imprescindivelmente gerar mais riqueza para o país. Mas como?

Entra aí a tal produtividade. Grosso modo, produtividade diz respeito a quantidade que se produz, a partir da mesma quantidade de recursos (humanos, maquinário, etc.) É possível aumentá-la com a adoção de novas técnicas e tecnologias no processo produtivo. Houve um momento, no século XX, em que se acreditava que a produtividade continuaria avançando exponencial e indefinidamente. No entanto, estudos mais recentes mostram que nos países de capitalismo avançado o crescimento vem desacelerando desde a década de 1990 e que a pandemia intensificou ainda mais esse processo. Se a situação está ruim para as economias ricas, ela é ainda mais grave nas de baixa renda, que padecem de achatamento de salários e limitações para se inserirem de forma qualificada na economia mundial.

Pelo menos desde o século XIX, quando o economista alemão Friedrich List cunhou a expressão “chutar a escada”, sabe-se da estratégia de países desenvolvidos de bloquear ou ao menos dificultar a ascensão de países de desenvolvimento tardio. Porém, os obstáculos nesses caminhos já percorridos, hoje, não se restringem aos de ordem geopolítica: estão cada vez mais claros os limites do planeta. Todo o desenvolvimento econômico e tecnológico que nos trouxe até aqui é baseado em indústrias altamente poluentes e resulta nas mudanças climáticas que ameaçam nossa própria sobrevivência neste planeta.

O imperativo de adaptar as cadeias de valor com práticas e tecnologias mais sustentáveis é, por outro lado, uma oportunidade ímpar para o Brasil. A criação de um mercado de carbono mundial vem sendo apontado como uma grande oportunidade para reverter — ou ao menos frear — as tendências de mudanças climáticas e alavancar a economia. O Brasil tem um papel, por sua grande extensão territorial e conter a maior parte da Amazônia pode ser particularmente beneficiado. Além disso, há um interesse internacional em que nós consigamos controlar e reverter o quadro de desmatamento e queimadas.

O presidente Lula e a ministra do meio ambiente Marina Silva têm viajado o globo com o objetivo de conquistar a confiança externa e atrair investimentos para políticas de preservação ambiental. Há no entanto a armadilha de novamente nos estabelecermos em relações de troca em que o que vendemos (soja, milho, petróleo bruto, carbono, etc.) não nos gera receita suficiente para comprar o que precisamos (por exemplo, aparelhos eletrônicos, veículos, remédios ou mesmo seringas.) em quantidade suficiente para suprir as necessidades de toda a população. Não podemos abrir mão de desenvolver tecnologia verde e contrariar interesses “escada acima” ao disputar os mercados novos que se abrirão.

Tomemos, como ponto de partida, o setor energético. Nossa matriz elétrica é 82% composta por fontes renováveis, muito acima da média mundial, que é de 28,6%. Mesmo na matriz energética, que além da eletricidade, leva em conta itens como combustíveis para os veículos e gás de cozinha, nossa energia é 48,4% limpa, um contraste com apenas 15% na matriz mundial. Isso é o resultado, sobretudo, do desenvolvimento tecnológico brasileiro na construção de hidrelétricas e produção de etanol a partir da cana-de-açúcar. Olhando para o futuro, temos ainda margem para ampliar o uso de energia eólica e solar e é urgente que se crie um marco regulatório para orientar a produção de hidrogênio verde, mais adequado para o uso como combustível e mais fácil de exportar.

Ciro Gomes, em suas duas campanhas à presidência pelo PDT, apresentou quatro complexos industriais que poderiam servir de plataforma para o salto de desenvolvimento de que precisamos. Mangabeira Unger defende que, na economia do conhecimento, as empresas de vanguarda se assemelham a instituições educacionais: com desenvolvimento de pesquisa e uma cultura de aprendizagem contínua. Ele identifica instituições brasileiras que podem servir de base para a transformação que desejamos. Destaco, em particular, o Banco Nacional de Desenvolvimento, a rede de unidades ligadas ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação e o Sistema S que pode e deve contribuir na qualificação para os novos postos de trabalho.

Por tudo isso, seria um erro, nos limitarmos a preservar e desarticular as políticas ambientais de políticas de transferência e desenvolvimento tecnológico, principalmente nos setores em que podemos ser competitivos mundialmente. Queremos não apenas a sobrevivência, mas pavimentar o caminho para uma vida digna para todos os brasileiros.

Bruna Werneck é vice-presidente do Movimento Trabalhista Pela Educação-RJ e secretária de Formulação Teórica da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini-RJ. Servidora pública e mestre em Ciência Política. Autora do livro “O projeto Lemann e a educação brasileira” (2021)

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