A arquitetura modernista dos CIEPS

Luana Freitas

(Publicado na edição #001, junho de 2023, p. 49)

Há quem não conheça o Trabalhismo, e que não saiba quais são seus princípios e legados. Todos concordam, porém, que os Centros Integrados de Educação Pública (Ciep) fazem parte de um saudoso Rio de Janeiro do qual o povo carioca e fluminense muito se orgulham.

O primeiro Ciep foi implementado em 1983 pelo governador Leonel Brizola, sob as influências do professor Darcy Ribeiro e projetado por ninguém menos que Oscar Niemeyer.

Com um desenho de arquitetura moderno e ousado para época, suas grandes edificações, alocadas em terrenos vastos, chamavam e ainda chamam atenção. Houve quem dissesse que os Cieps eram escolas caras, mas, como questionaria Brizola, quanto custa a ignorância? Não poderia o pobre estudar em uma escola bonita, funcional, arejada e respeitável? Se tivéssemos que citar uma escola em nosso bairro cuja edificação seja comparável ao “Brizolão”, seria essa pública ou privada? Talvez a resposta a esta pergunta esteja intrinsecamente ligada às questões políticas de nossa época.

Uma das características conhecidas internacionalmente de Oscar Niemeyer são as linhas orgânicas em seus desenhos e uma perfeita harmonia com a natureza em que sua obra é colocada. Niemeyer criou o projeto-padrão para o primeiro Ciep com estrutura em concreto pré-moldado, o que possibilitou a montagem de cada prédio escolar como se fosse um quebra-cabeças, em um prazo médio de 4 meses, e ainda com um custo 30% inferior ao de um prédio escolar padrão para a mesma capacidade de alunos.

O layout do Ciep contém 3 blocos edificados (veja ilustração abaixo):

– O prédio principal, onde ficam as salas de aula, auditório, administração, centro médico e refeitório ligados por uma ampla e confortável rampa de acesso.

– A Biblioteca foi desenhada para atender alunos de forma individual, bem como grupos supervisionados. O interessante desta construção ser separada do prédio principal é o fato destas bibliotecas terem sido abertas à comunidade. Neste bloco há ainda uma peculiaridade desconhecida para muitos: dormitórios foram projetados sobre a biblioteca para acolher, com supervisão, jovens em situação de vulnerabilidade.

– Salão Polivalente, com vestiários, quadra desportiva e depósito para os materiais utilizados.

Hoje, tirar selfies e procurar os melhores ângulos no ambiente virou uma questão social importante, pois mostra aos outros o meio em que você vive, ou tem condições de frequentar. Penso que as escolas públicas, no estado em que se encontram hoje em dia, não dão à criança ou jovem a sensação de pertencimento e orgulho. Devido à precariedade em que são ofertadas, e como muitas famílias não têm escolha, a única solução possível para muitos é a conformidade. Falar dos Cieps, portanto, é rememorar detalhes saudosos de uma obra assinada que já foi possível a todos.

De fato, a arquitetura é capaz de dar orgulho aos moradores de uma cidade. O Ciep é um marco na vida dos que foram contemplados com um ensino público num local adequado, com infraestrutura condizente ao que toda família brasileira gostaria de ter.

Amplas janelas retangulares com bordas arredondadas permitem ventilação e entrada de luz natural, o que estimula o aprendizado devido a influência das cores na produtividade. Exemplo disso são as temperaturas de cores utilizadas em ambientes de trabalho/tarefa (brancas), como escritórios e hospitais, e também as cores utilizadas em ambientes de relaxamento (amareladas). Ambas têm como base nossa estrela maior, o Sol! Durante a manhã e início da tarde, temos uma luz mais branca, que, ao entardecer, esmaece. Esquadrias amplas auxiliam na rotina perfeita para o ambiente escolar.

Salas com pé-direito alto auxiliam no arejamento interno, e cá para nós, quem não se sente bem em ambientes espaçosos e confortáveis? Mas há uma reclamação sobre este aspecto em específico: a acústica. Na época, vários professores tiveram problemas vocais e alguns até se aposentaram por este motivo. Acontece que em ambientes amplos a acústica deve ser bem pensada, principalmente quando vez por outra há competição com vozes doces, sussurradas e gargalhadas de crianças bem alimentadas e felizes! Os Cieps remanescentes receberam algumas adaptações aprovadas pelo escritório de Niemeyer para o melhoramento da acústica, o que descaracterizou, em parte, o design original.

A maioria dos Centros Integrados ocupam espaços de protagonismo no bairro. São de fácil acesso, boa localização, arborizados e, embora feitos de concreto — seu revestimento aparente e atemporal -, sobra-lhe um pequeno quadro abaixo do peitoril para inserir cores, dando mais vida não somente ao prédio, mas também aos corações! Objeto de orgulho, o comprometimento com o projeto de ensino também era posse dos professores, merendeiras, coordenadores, pais e alunos.

Ciep Tancredo Neves, fundado em 1986 no bairro da Glória. Imagem retirada do Facebook da escola.

Mesmo sendo um projeto conceituado, o Ciep foi alvo de muitas críticas. No entanto, engana-se quem pensa que as críticas tinham a ver com a arquitetura em si. Deixo abaixo o relato do arquiteto sobre as críticas recebidas, tendo atenção não somente às questões de arquitetura, mas também políticas, pois sabemos que em locais bem projetados os pobres e marginalizados ainda recebem um olhar discriminatório — muitos das classes média e alta se acham afrontados quando estão no mesmo ambiente que eles.

“As críticas que têm sido feitas aos Cieps são tão levianas, demonstram tal desinformação que, a contragosto, sou obrigado a dar uma explicação desse projeto. Começarei dizendo se tratar de um projeto revolucionário, sob o ponto de vista educacional. Escolas que não visam apenas, como as antigas — a instruir seus alunos, mas sim dar um apoio efetivo a todas as crianças do bairro. E isto explica serem, no térreo, para elas abertas aos sábados e domingos, ginásio, gabinete médico, dentário, biblioteca etc. Daí a dificuldade de utilizar as velhas escolas — vão sendo remodeladas — pois não foram projetadas para esse programa.

Por outro lado, os Cieps não representam custos vultosos, nem são faraônicos (para usar um termo do agrado da mediocridade inevitável). Obedecem a um programa e não existe mágica em matéria de construção. Pré-fabricados, eles constituem uma economia de 30% em relação às construções do tipo comum — e mais econômicos ainda se tornam por serem de construção rápida, quatro meses, o que é fácil verificar tendo em conta o aumento crescente dos materiais, da mão-de-obra etc. Adaptam-se a qualquer lugar, junto às favelas inclusive, o que é sem dúvida importante, permitindo que os filhos dos favelados sintam que todo um conforto lhes é oferecido, sem a discriminação odiosa que mais tarde e, por enquanto, a vida lhes vai impor. E são simples, lógicos, destacando-se pela sua forma diferente nos setores mais diversos da cidade, revelando assim a grandeza do programa adotado pelo Governador Leonel Brizola, o que, por isso mesmo, parece não agradar a muita gente.

Mas não são apenas estes aspectos, fáceis de explicar, que me levaram a este pequeno texto. Revolta-me, principalmente a desenvoltura com que alguns comentam o programa educativo dos Cieps sem levar em conta a presença de Darcy Ribeiro, sua autoridade internacional no campo da educação, convidado constantemente para organizar o ensino em países do Novo e do Velho Mundo. E essa revolta cresce quanto sinto que a maioria desses críticos nada entende dos problemas educacionais, limitando-se a opiniões já superadas, fáceis de contestar e definir.

Agora a campanha contra os Cieps se multiplica quando alguns candidatos à Prefeitura do Rio de Janeiro, ligando-se às correntes mais reacionárias do país, dela passam a participar como se nada tivesse a dizer ao povo sobre os seus próprios programas de Governo. A tudo isso o carioca assiste desiludido, pois, em cada Ciep que surge, uma nova dúvida aparece, a contradizer os que insistem em combatê-los”

Deixo aqui a reflexão sobre a arquitetura que abraçou uma população, conferindo-lhe dignidade, conforto e respeito. Marcou e ainda marca presença com seus traços que, na memória do cidadão carioca e fluminense, remetem aos tempos em que seu filho estava seguro, tendo sua saúde cuidada, praticando esporte e fazendo os deveres de casa na escola, o que facilitava a rotina de trabalho dos pais. Os Cieps faziam “os olhos brilharem”, ao ponto de famílias mais abastadas quererem tirar seus filhos de instituições privadas para colocá-los nos famosos “Brizolões”.

Convido a todos a pensarmos o trabalhismo não apenas como um movimento político, mas como ferramenta capaz de transformar a vida do cidadão através de suas obras e seus legados.

Luana Freitas é arquiteta, militante da Todos Com Ciro, filiada ao PDT-RJ e fundadora do núcleo de base Brava Gente Carioca.

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