A saída para o fim da polarização: Caso Felca, Pix e escala 6×1

Por Pedro Ribeiro – Secretário Estadual de Núcleos de Base do Rio Grande do Sul

Nos últimos dias, o Brasil presenciou um fenômeno raro: um único vídeo na internet conseguiu mobilizar desde cidadãos comuns até deputados federais de campos políticos opostos, todos discutindo e propondo ações sobre o mesmo tema. Foi o que aconteceu com o vídeo do influenciador Felca, que denunciou a adultização de crianças nas redes sociais.

Em menos de uma semana, o conteúdo já havia ultrapassado 27 milhões de visualizações no YouTube, provocado derrubada de contas com milhões de seguidores e levado a Câmara dos Deputados a pautar o assunto com urgência. E o mais impressionante: parlamentares que normalmente não concordam em nada passaram a trabalhar juntos para tratar do problema.

Mas esse caso não é isolado. Ele revela uma lógica que pode ser a chave para romper a polarização que domina o país.

Por que alguns temas unem rivais políticos

O debate político brasileiro vive, há anos, em torno de um conjunto fixo de pautas. Cada lado da polarização já tem posições cristalizadas sobre economia, costumes, políticas sociais e segurança pública. Quando um tema desses entra em discussão, o posicionamento já está pronto, e a reação também. Se “o outro lado” defende, minha base tende a atacar, e vice-versa.

Mas existe uma brecha nesse sistema: quando surge um assunto relevante que não está na lista de pautas tradicionais de nenhum dos polos, abre-se um espaço para diálogo real. Como não há opinião formada ou histórico de embate sobre o tema, não existe a barreira automática da rejeição. Isso cria terreno fértil para que diferentes campos se encontrem.

Foi o que aconteceu agora com o caso Felca. Antes dele, a “adultização” de crianças não era tratada como prioridade nem pela direita, nem pela esquerda no Brasil. Ao trazer o problema de forma clara, com exemplos concretos e forte apelo emocional, ele não só chamou a atenção de milhões de pessoas, como também forçou políticos de diferentes partidos a agir.

Quando o primeiro a falar domina a narrativa

Outro ponto central dessa estratégia é a vantagem de ser o primeiro a trazer o tema ao debate público. Quem chega antes define o enquadramento: escolhe como o problema será descrito, quais exemplos serão citados, que linguagem será usada. Essa moldura influencia diretamente a forma como a sociedade e os meios de comunicação vão falar sobre o assunto.

E, nesse sentido, as redes sociais mudaram as regras do jogo. Antes, a grande mídia era a principal responsável por selecionar e enquadrar temas. Hoje, um criador de conteúdo com milhões de seguidores pode lançar um debate nacional em poucas horas.

É por isso que um vídeo de Nicolas Ferreira sobre o Pix ou uma fala de Erika Hilton sobre o fim da escala 6×1 tiveram repercussões que atravessaram fronteiras políticas. Mesmo que, no caso do Pix, o conteúdo fosse controverso, ele mobilizou pessoas de todos os espectros, justamente porque o outro polo não falava sobre o assunto, e, portanto, não havia resistência prévia.

A força e a responsabilidade dos influenciadores

Esse novo cenário coloca os influenciadores no centro da arena política, mesmo que não ocupem cargos públicos. Um conteúdo bem construído pode mobilizar a opinião pública, pautar o Congresso e obrigar a mídia tradicional a cobrir um tema.

Mas junto com o poder vem a responsabilidade. Uma denúncia séria como a de Felca pode gerar mudanças concretas e proteger vidas. Já um vídeo mal-intencionado ou desinformativo pode inflamar ódios, espalhar mentiras e comprometer a democracia.

O público, por sua vez, também precisa ter consciência de que o consumo de conteúdo não é neutro. Ao assistir, curtir ou compartilhar, você amplifica a mensagem e financia, direta ou indiretamente, a continuidade daquele tipo de material. Em um mundo onde cada clique é medido, cada engajamento é um voto de confiança.

O método para furar a bolha

O que esses casos têm em comum, Felca com a adultização, Nicolas com o Pix, Erika com a escala 6×1, é que todos seguiram, mesmo que intuitivamente, uma sequência que permite atravessar fronteiras ideológicas:

1. Escolher um tema relevante, urgente e ainda pouco explorado politicamente.
2. Apresentá-lo de forma acessível, com forte apelo emocional.
3. Usar canais de alto alcance, especialmente redes sociais e influenciadores.

Quando esse ciclo acontece, o debate não é mais propriedade de um lado, ele se torna um ponto de interesse coletivo.

Um caminho para um Brasil menos dividido

A polarização não vai desaparecer de um dia para o outro. Ela está enraizada na forma como debatemos política, na estrutura dos partidos e até no funcionamento das redes sociais. Mas é possível criar momentos de união, e eles são mais poderosos do que parecem.

Cada vez que um tema “órfão” é colocado em pauta e desperta mobilização ampla, ganhamos uma prova de que é possível construir pontes. Não se trata de apagar diferenças, mas de criar pontos de encontro. E, se repetirmos esse processo, teremos mais casos como o de Felca: situações em que adversários políticos se veem obrigados a trabalhar lado a lado para resolver um problema que afeta a todos.

A saída para romper a guerra ideológica, desmontar as torcidas organizadas da polarização e tirar o país da inércia é clara: precisamos focar em pautas reais, ligadas às dores concretas do povo, que ainda não estão sendo discutidas. É nesse território livre de disputas, muitas vezes artificiais, que vamos encontrar convergência e fazer o Brasil avançar.

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