Encontro com a História: O Trabalhismo em defesa da Democracia em 1979 e 2025

O trabalhismo em defesa da Democracia

Guilherme Marçal – Secretário de Comunicação da FLB-AP e militante da Juventude Socialista PDT. 

Retornando para casa após as manifestações contra a “PEC da Anistia” e a “PEC da Blindagem”, vim refletindo sobre algo que não se via há muitos anos: a retomada da capacidade da esquerda de mobilizar tanta gente nas ruas.

A resposta massiva da sociedade a essas propostas legislativas não foi um evento isolado, mas uma reação contundente a um assalto coordenado contra os pilares da responsabilidade democrática e do Estado de Direito.

Não estavam presentes apenas as lideranças habituais dos movimentos sociais – que estamos acostumados a cumprimentar e abraçar – carregando as bandeiras de seus partidos e coletivos organizados, haviam ali outros e diversos atores, famílias inteiras, avós, crianças e jovens, reunidos em uma energia popular que deu outra dimensão aos atos. Os batuques, as músicas e os shows ao final dos protestos não foram enfeites: foram expressão cultural e política que abrilhantou e fortaleceu a mobilização. Djonga em Brasília no meio da multidão entoando “fogo nos racistas” e a multidão em Copacabana “vou festejar, o teu sofrer, o teu penar, você pagou com traição quem te estendeu a mão” é de arrepiar.

Para compreender a profundidade da batalha atual, é imperativo revisitar a história e o legado de defesa e luta do trabalhismo pela democracia.

Em 1979, o cenário era diametralmente oposto. Trabalhistas históricos perseguidos e exilados pela ditadura — que havia deposto o presidente João Goulart e suas Reformas de Base — estiveram na vanguarda da exigência por anistia. Naquele momento, a reivindicação por uma anistia ampla, geral e irrestrita tinha um sentido claro de reparação, um clamor por liberdade, pelo retorno dos que foram forçados a deixar sua pátria e pela libertação dos presos pelo regime. Mas a experiência também ensinou uma lição amarga: a anistia daquela época, ao permitir o retorno dos perseguidos, deixou impunes os agentes da repressão e torturadores, pela dimensão “recíproca e conexa” da lei da anistia. Os trabalhistas e as demais forças democráticas, embora lutassem pelo retorno das liberdades, foram compelidos a aceitar este pacto imperfeito, que semeou a cultura da impunidade que assombra o Brasil até hoje. A luta de 1979 foi, portanto, uma batalha pela democracia que, para ser vencida, teve que carregar o fardo de uma justiça incompleta. 

Esse legado histórico nos obriga hoje a cautela e a precisão moral sobre o que se pretende perdoar.

Em 2025, os trabalhistas, ao lado de outros atores do campo progressista, voltam às ruas. Desta vez, porém, a luta é contra a anistia. Este paradoxo histórico revela a profunda inversão de valores e contextos entre os dois momentos. A anistia agora proposta não visa à reconciliação ou à transição para um regime mais livre, mas sim à consagração da impunidade para aqueles que tentaram destruir a jovem democracia brasileira. 

Falamos dos responsáveis pelos atos violentos de 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Esses atos foram organizados e inspirados por redes e grupos políticos que contaram com apoio de setores que hoje respondem à justiça; parte desses envolvidos já foi responsabilizada judicialmente, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus generais. Conceder anistia a quem tentou subverter a ordem constitucional seria retroceder e naturalizar a violência política como instrumento legítimo.

Como destacou a ministra Cármen Lúcia, no ato do julgamento do núcleo duro da trama golpista é um “encontro do Brasil com o seu passado, com o seu presente e com o seu futuro, mas especificamente em relação às políticas públicas e aos órgãos de Estado”, ou seja, um momento em que o país decide que tipo de memória e de futuro quer preservar. Para os trabalhistas, esse encontro é também a continuidade de uma luta que nunca se furtou, e exige uma definição clara: anistia para reparar injustiças ou anistia para proteger conspiradores da democracia?

Adicionalmente, a articulação para anistiar os crimes do passado se conecta de maneira preocupante com as tentativas de proteger os crimes do futuro. A tramitação simultânea da “PEC da Anistia” e da “PEC da Blindagem” não é uma coincidência. Juntas, elas formam um projeto político coeso que visa criar um sistema de impunidade permanente para a classe política. A anistia absolve os ataques passados contra a democracia, enquanto a “blindagem” dificulta a investigação de futuros crimes, criando um ambiente onde a responsabilização se torna quase impossível. O discurso de “pacificação” que envolve a anistia serve, assim, como uma cortina de fumaça para um objetivo muito mais cínico: tornar o poder político imune às consequências de seus próprios atos, mesmo quando estes atentam contra a própria existência do regime democrático. Ambas pautas rejeitadas pela Executiva Nacional do PDT e sua base militante, em consonância ao legado histórico deste partido e suas lideranças.

Voltando aos atos de 21 de setembro de 2025, a mobilização mostrou que a narrativa progressista pode (e deve) recuperar fôlego nas ruas e nas redes. Surpreenderam tanto a direita quanto parcelas da própria esquerda, e revelaram uma demanda popular por atuação política e defesa da democracia, em especial, diante os recentes ataques à soberania nacional pelo presidente Trump, que tornaram o Brasil refém de uma guerra tarifária para proteger a família Bolsonaro. Mesmo com sinais de apatia em certos setores do governo ou de grupos dominantes, a presença massiva (e em suma espontânea) apontou que há terreno para rearticular pautas e ampliar a mobilização, e avançar, em particular, em pautas como o fim da escala 6×1, taxação das grandes fortunas, e outras pautas essenciais que não entram na agenda do Legislativo. No Senado Federal, já é dado como natimorto o avanço dessas proposições de blindagem dos parlamentares, já a proposição de “anistia light” será ainda muito desidratada, pela própria direita que não se entende, quanto agora pela esquerda que reafirma a voz das ruas contra a impunidade aos golpistas. O recado é claro: o Brasil precisa se reconciliar de fato com seu passado e virar essa página.

No entanto, entre os trabalhistas, sobretudo pelos sinais observados nas redes e nas praças, ainda falta escala e coordenação. Muitos companheiros e companheiras saíram às ruas carregando a bandeira do Brasil, do PDT e de suas referências históricas — mas isso não bastou para transformar presença de militância partidária em potência política organizada. Havia, nas manifestações, o predomínio de bandeiras do PT, PCdoB, e novas agremiações como a UP e PCBR, uma diversidade que precisa converter-se em unidade estratégica, e da qual, os trabalhistas legítimos herdeiros da defesa da democracia, do nacionalismo e desenvolvimentismo vem perdendo força. 

Como Brizola Bem pontuava: o PDT foi constituído para ser um partido de massas. Pergunto então: onde estão as suas massas hoje? A questão não é retórica, mas um chamado à autoavaliação, medindo a realidade atual do partido contra a régua de seu maior líder.

Não cabe delegar exclusivamente à juventude o papel de mobilizar; é preciso envolver as bases organizadas, as frentes sociais, os sindicatos e as comunidades onde o trabalhismo (ainda) tem raízes profundas.

O imperativo para nós trabalhistas é, portanto, inequívoco. Significa estar na linha de frente contra a anistia da injustiça, apoiar a plena responsabilização de todos os envolvidos na tentativa de golpe — dos financiadores aos executores — e, essencialmente, ouvir o chamado de sua própria história, para reconstituir o trabalhismo como força popular capaz de disputar corações, mentes e ruas.

O Trabalhismo em defesa da democracia

Bandeirão do Brasil com a mensagem "Sem anistia" no lugar do ordem e progresso em protesto esse domingo

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