GETÚLIO VARGAS- O ESTADISTA: CONSTRUTOR DO BRASIL MODERNO

Mário Arthur Sampaio – Mestre em História- UERJ; Doutor em Serviço Social- UFRJ; Pós- doutor em História- UERJ.

No 143º. Ano de Nascimento de Getúlio Vargas

Nascido em 19 de abril de 1882, filho de Manuel do Nascimento Vargas, líder republicano histórico, militante pela abolição da escravatura e pela República- o PRR era o único dos partidos republicanos a ter, em seu programa, a abolição imediata e sem indenizações aos escravagistas,- Getúlio foi alfabetizado por um negro liberto. Seu melhor amigo de infância era Isaías, filho de ex – escravizados.

No Rio Grande do Sul, Júlio de Castilhos- depois, Borges de Medeiros- e o Partido republicano Rio Grandense-  PRR, castilhista- o oposto dos demais PRs, partidos da oligarquia agrária, máquinas eleitorais para garantir o pacto coronelista de poder- de 1891 a 1923- o castilhismo era uma recepção gaúcha do ideário positivista de Augusto Comte- promoveram uma Revolução Política Burguesa, reunindo os capitais industriais, comerciais e financeiros, em aliança com camadas médias urbanas, pequena burguesia e trabalhadores, e afastaram do poder a oligarquia rural (Liberais no Império, Federalistas na República), dissolvendo a sociedade gaúcha tradicional, mudando a forma de dominação: de tradicional, oligárquica -patrimonial, para racional legal -burguesa.

 Em 14 de Julho de 1891, é aprovada a Constituição castilhista, que aprova o regime da Ditadura Republicana:

-Executivo governa e legisla;

– O Presidente nomeia o vice;

– Legislativo fiscaliza o Orçamento de Estado;

-Permitidas reeleições, desde que o governante alcançasse ¾ dos votos válidos.

O artigo 74 da Constituição, foi a base da CLT (1943).

No poder, com Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, o PRR implementou um programa singular, totalmente o oposto dos demais estados do país:

– Imposto territorial progressivo, recuperando terras ocupadas ilegalmente;

– Distinção entre terras públicas e privadas (única no país);

– Regularização do acesso às terras, favorecendo novos colonos;

– Isenção às manufaturas locais;

-Educação básica, pública, laica e gratuita universal;

-Criação de escolas técnicas;

-Desenvolvimento do transporte ferroviário, hidroviário e rodoviário;

– Encampação dos portos de Porto Alegre (1913) e Rio Grande (1919), da Ferrovia Porto Alegre- Uruguaiana (1920), das minas de carvão de Gravataí;

– Estado arbitrando as relações entre capitais e capital e trabalho: direito de greve, regulamentação do trabalho das mulheres, proteção aos menores, tribunais de arbitragem de conflitos.

Em 1906, aos 24 anos, quartanista de Direito, membro do Centro Acadêmico Castilhista, no discurso de saudação ao Pres. Afonso Pena, criticou a teoria das supostas “raças superiores” e ”raças inferiores” para explicar o atraso do Brasil, face aos países desenvolvidos, defendeu a industrialização nacional e afirmou que “Só pela educação poderemos ter um governo democrático, pela visualização do futuro, pela compreensão nítida do seu papel na vida, fazendo respeitar o exercício de seus direitos políticos e a garantia de suas liberdades individuais.”

Ele se destacava no meio político geral- além de profundo conhecedor de Comte e Saint- Simon, era estudioso de Freud, além- na economia- de Marx e Keynes, e tomar contato com o pensamento de Nietzsche, embora discordasse profundamente do último- diferente, em suma, dos “bacharéis de punhos de renda’, que possuíam uma cultura apenas jurídica.

Foi o membro mais destacado- junto a Oswaldo Aranha, João Neves da Fontoura, José Antônio Flores da Cunha, Lindolfo Collor, Firmino Paim Filho e Mauricio Cardoso- da “geração de 1907”-grupo de lideranças políticas que iniciaram seu percurso a partir do governo de Borges de Medeiros, sucessor de Júlio de Castilhos na liderança do Partido Republicano Rio Grandense –PRR –e na presidência do Estado do Rio Grande do Sul.

Na Greve Geral de 1917, reprimida nos demais estados com violência- “ a questão social é um caso de polícia” (Washington Luís); “a greve de 1917 será resolvida nas patas da cavalaria” (Epitácio Pessoa) -, o Pres. do estado do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, chamou as partes à negociação, promovendo o aumento de salários aos trabalhadores públicos e privados.

No poder, o PRR realizou uma “revolução de cima”- uma modernização conservadora- modernização econômica aliada ao conservadorismo político (Ditadura do PRR), na passagem de uma sociedade agrária a industrial.

Nos demais estados brasileiros, os partidos republicanos eram dominados pelas oligarquias rurais, com redes de coronéis e política de clientela nas localidades.

Descontentes com a perda do poder e a exclusão da política, em 1893-e em 1923-, os oligarcas rurais desencadearam, duas vezes, a Guerra Civil, isto é, a luta da oligarquia rural para manter o poder do Estado contra o novo poder modernizador.

Nos anos 20, com a emergência do movimento operário, o descontentamento das camadas médias e o movimento tenentista, o pacto que sustenta o estado oligárquico patrimonial brasileiro começou a fazer água. O movimento Tenentista, pedindo a verdade do voto- contra a fraude eleitoral- em 1922 e -de 1924 a 1927, com a Coluna Prestes, ajudou na derrubada da República Liberal Oligárquica.

Com a crise geral do capitalismo de 1929, a situação se tornou insustentável.

Getúlio Vargas, eleito em 1927 Presidente do estado do Rio Grande do Sul, pacificou o estado e se candidatou a Presidente da República em 1930, pela Aliança Liberal, numa campanha marcada por grandes comícios de apoio. Vargas unificou o PRR e o Rio Grande do Sul, se aliou a setores descontentes do Exército, oligarquias de Minas Gerais e do Nordeste, tenentes, setores das camadas médias, pequena burguesia e frações do proletariado, para chegar ao poder, derrotando o bloco agrário exportador.

Em seu primeiro governo, que perdurou de 1930 até 1945, Getúlio começou realizando a Auditoria da Dívida Externa, e reduziu a mais da metade a nossa dívida externa, economizando muitos recursos ao longo dos anos que culminariam na criação e desenvolvimento de muitos projetos sociais e econômicos em seu governo, dentre eles:

-1930: Criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio;

-1930: Criação do Ministério da Educação;

-1931: Criação do Departamento de Correios e Telégrafos (atual Correios);

-1932: Instituiu a Carteira de Trabalho;

Em 1932, a oligarquia paulista, contrariada com o governo do Tenente de esquerda João Alberto, que implementou diversos avanços nos direitos sociais dos trabalhadores, desencadeou a contrarrevolução racista e reacionária de 1932- “Palmares pelo Avesso”, derrotada pelo governo, com apoio de parte da classe trabalhadora paulista.

-1933: Instituiu o Código Eleitoral, voto secreto, voto feminino e a justiça eleitoral- As bases para a Democracia brasileira;

-1933: Fundação de Goiânia, em 24 de outubro, cidade projetada, iniciando a Marcha para o Oeste;

-1933: Criação do Instituto do Açúcar e Álcool;

-1934: Nacionalização dos Recursos hídricos e jazidas minerais brasileiras;

-1936: Criação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um dos mais importantes órgãos do Estado para mapear a população em censos demográficos;

-1936: Sancionou a lei que subordinava as polícias militares ao Exército- para retirar o poder das oligarquias agrárias estaduais contrariadas;

-1937: Criação da IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), para preservar e divulgar o patrimônio material e imaterial brasileiro;

– 1938: Criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), com a reforma da administração pública brasileira- moralizando o acesso ao serviço público, por meio de concursos e racionalizando a administração pública:

-1938: Criação do Conselho Nacional do Petróleo;

-1938: Criação da CNI (Conselho Nacional da Indústria) para projetar e impulsionar ainda mais nossa Industrialização;

-1939: Criação da IRB Brasil para impedir que empresas brasileiras fossem transferidas para o exterior;

-1941: Criação do Ministério da Aeronáutica;

-1941: Criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a base para nossa Indústria Nacional de Aço, que continua sendo uma das maiores Siderúrgicas do mundo, mesmo após sua privatização, criminosa, ocorrida em 1993;

-1942: Criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, privatizada em 1997. Uma das maiores mineradoras do mundo, e detinha, antes de seu leilão, mais de 7.000 concessões minerais;

-1942: Criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para qualificar operários nas Indústrias. Apontada em 2014 pela ONU como uma das principais instituições educacionais do Hemisfério Sul;

-1942: Criação da Fábrica Nacional de Motores, a FNM, dando destaque na construção de uma Indústria Nacional de Caminhões, dentre outros veículos, futura base de uma indústria automotora nacional, criminosamente privatizada em 1968 pela ditadura empresarial militar, que passou o controle à Alfa Romeo;

-1943: Criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) para enviar aproximadamente 20 mil soldados expedicionários à Itália para lutarem contra o regime nazista alemão e fascista italiano;

-1943: Criação da Companhia Nacional de Álcalis (base para a Indústria química brasileira);

-1943: Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), caluniada como “cópia da Carta del Lavoro” fascista pela mídia, a serviço do patronato , da oligarquia e do grande capital- e o hoje por uma dada esquerda social liberal- tinha na sua redação, o castilhista Lindolfo Collor, ou seja, o corporativista Oliveira Viana e os socialistas Agripino Nazaré, Evaristo de Moraes e Joaquim Pimenta instituía , a nível nacional, a jornada de trabalho de oito horas, direito à pensão e à aposentadoria; lei de férias; regulação do trabalho da mulher e do menor de idade;

-1945: Criação da Chesf no Nordeste, para produzir energia hidrelétrica na região nordestina.

No campo da Cultura, retirou os sambistas da marginalidade- levavam flagrante de vadiagem, se andassem com um violão, cavaquinho ou pandeiro na rua- e transformou, via as ondas da Rádio Nacional, o samba em Música Popular do Brasil, dando dignidade ao artista popular brasileiro; os desfiles das escolas de samba, antes reprimidos, foram regulamentados, com a condição de que abordassem episódios e personagens da história nacional; a capoeira, antes reprimida, foi transformada em esporte nacional; as Religiões de Matriz Africana, antes reprimidas, passaram a ser respeitadas.

De 1930 até 1945, cerca de 15 anos, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 4,0% ao ano; o pico foi registrado em 1936- 12,1%. Em 1943, com a CLT, cresceu incríveis 8,5%.

Neste mesmo período, nossa Indústria cresceu em média 6,3% ao ano; a Agricultura um pouco menor, porém considerável: 2,2% a.a.

O Investimento em proporção do PIB passou de 6,6% em 1932 para 13,8% em 1940, diferença de oito anos.

Enquanto se viu a queda da exportação do café e do açúcar na época, elevou-se a exportação de produtos manufaturados, ao contrário dos dias de hoje, com o país reprimarizado e desindustrializado

Durante a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas, visionário, deu um olhar mais atento à Amazônia brasileira, nacionalizando diversas companhias estrangeiras de eletricidade, navegação marítima, telegráfica, saneamento, bancos e até firmas de látex na região. Nacionalizou também as ferrovias brasileiras, divididas entre empresários ingleses e estadunidenses.

Pode-se observar que o Brasil crescera e expandira enormemente sua economia nesse período de 15 anos, de 1930, um ano posterior à grande depressão de 1929- até 1945.

No final de Outubro de 1945, Getúlio renunciou à presidência pela pressão de generais do exército, das oligarquias e do grande capital estrangeiro, contrariados com seu governo-nacionalista e modernizador.

 Getúlio Vargas voltou à presidência em 1951, depois da memorável campanha presidencial de 1950, na qual derrotou – além do Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN) e Cristiano Machado (PSD)- toda a mídia- não havia um jornal ao seu lado- que fez campanha contra ele- foram 48,73% dos votos, contra 29,66% do Brigadeiro.

No 2º. período de Getúlio Vargas, ele continuou avançando e contrariando os grandes interesses estrangeiros:

-1952: Criação do BNDE (atual BNDES), visando o desenvolvimento econômico e social em projetos de longo prazo;

-1952: Criação do Banco do Nordeste, facilitando o acesso ao crédito para nordestinos;

-1953: Criação da Petrobrás, depois da Heroica e Memorável campanha “O Petróleo É Nosso!”, que possuía o monopólio da extração, refino e transporte marítimo/terrestre do petróleo brasileiro, sem interferência estrangeira- hoje, não mais…;

-1953: Criação da  Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA)-uma inovação no planejamento regional brasileiro;

-1953: Criação do Ministério da Saúde;

-1954: Início da operação da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, no Nordeste, operada pela Chesf.

A partir dos ministérios, estatais e institutos criados na Era Vargas- instituições nacionais-, as decisões passaram a ser apoiadas em estudos técnicos especializados, formulados por quadros técnicos qualificados- visando a implementação de políticas de longo prazo, incorporando a prática do pensamento estratégico, por parte dos órgãos do governo.

De1951 até 1954, a economia brasileira (PIB) cresceu em média 6,7% ao ano- mais do que em 1930-1945 (4,0% a.a). O auge do crescimento ocorreu em 1954: 7,8%.

A Indústria de Transformação crescera 8,4% de 1950 para 1954- a Indústria de Construção cresceu em média 9% ao ano no período.

A Taxa de Investimento em proporção/PIB se eleva de 12,8% em 1950 para 15,8% em 1954.

A Indústria em proporção/PIB passa de 19,3% (1950) para 20,8% em 1954, com a Agricultura mantendo-se relativamente estável (em torno de 25% do PIB na época).

Para fazer justiça à classe operária brasileira, – e enfrentando a crítica do empresariado e pressão das forças armadas- elevou o salário mínimo de (com a conversão para o Real) de R$ 325 em 1950 para R$ 1.109 em 1954-aumento de 100%, como foi proposto por João Goulart, naquele momento Ministro do Trabalho.

Os interesses do grande capital- nacional e estrangeiro- contrariados- e a enorme pressão da grande mídia, da UDN de Carlos Lacerda e também dos militares- já doutrinados pela ESG e pela ideologia de segurança nacional, diante da crise de agosto de 1954, avançam no intuito de depor Vargas.

 No dia 24 de Agosto de 1954, Getúlio escreve sua carta-testamento, mais importante documento anti-imperialista de nossa história, denunciando a pressão dos capitais nacionais e estrangeiros e também do imperialismo contra seu governo.

Comete o supremo sacrifício em prol dos Trabalhadores, do Povo e da Pátria.

Uma enorme comoção toma conta do país- multidões saem às ruas para chorar seu líder- e muitos jornais são empastelados pelas massas em fúria, pois descobriram terem sido manipuladas pelos que sempre mandaram, e mandam infelizmente, ainda hoje, 2025, no Brasil.

O eminente filósofo Álvaro Vieira Pinto distingue consciência ingênua e consciência crítica: “a consciência ingênua é, por essência, aquela que não tem consciência dos fatores e condições que a determinam. A consciência crítica é, por essência, aquela que tem clara consciência dos fatores e condições que a determinam”.

A consciência ingênua confunde social liberalismo com política de esquerda, comemora aumento do PIB e das exportações; a consciência crítica não só não confunde, como estuda, pesquisa, analisa e faz a crítica das condições que levaram ao triunfo mundial do neoliberalismo, e do social liberalismo no interior da esquerda, e tem consciência de vivemos num  país  capitalista dependente, periférico e subdesenvolvido- sob a tutela do capital financeiro, do capital agrário, das forças armadas e do imperialismo

 Quando as massas populares avançarem da consciência ingênua para a consciência crítica, já terão realizado a análise crítica de nossa História e compreendido que:

1)           nas condições da relação centro/periferia do sistema- Getúlio Vargas foi até o limite do sacrifício extremo para construir uma Nação Livre e Soberana;

2)           que limites objetivos: o caráter dependente da formação sócio- econômica brasileira, impediram a concretização do seu projeto;

3)           que qualquer programa de reformas, na periferia do capitalismo, tem, necessariamente que estar atrelado ao processo da Revolução Brasileira (Theotônio, Bambirra, Marini, Darcy, Vieira Pinto);

4)           que o Trabalhismo só ganhará viabilidade histórica e credibilidade entre as massas se superar o eleitoralismo, fizer a crítica radical do social liberalismo e se apresentar- na teoria e na prática- como o caminho brasileiro para o Socialismo.

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