Daniel Matos – Gaúcho, gremista, migrante regional interesado en la fauna política latinoamericana y tercermundista. Cinéfilo, lector voraz, principiante buceador de leyes. “Trabalhista” y peronista por conciencia y procedencia popular.
O Trabalhismo brasileiro configurou-se como experiência singular ao articular política e cultura por meio de uma “antropofagia simbólica” semelhante à proposta modernista de Oswald de Andrade. Em vez de apenas adotar modelos externos, o movimento devorou e ressignificou mitos e imagens já consagrados, construindo uma narrativa de modernidade nacional-popular fundada na soberania e na centralidade do trabalho e do povo.
No plano histórico, figuras como Tiradentes e Zumbi dos Palmares foram reinterpretadas: o primeiro, de mártir da República a herói do povo; o segundo, de líder marginalizado a símbolo de resistência e mestiçagem. A Revolução de 1930, por sua vez, foi elevada à condição de ruptura fundadora, marco da entrada das massas na vida nacional.
Culturalmente, o Trabalhismo incorporou o samba, o carnaval e o futebol como emblemas da brasilidade democrática. Até o sertão nordestino, antes associado ao atraso, foi ressignificado como território de dignidade e resistência, onde o retirante, o vaqueiro e o cangaceiro simbolizam a luta contra a desigualdade.
Politicamente, conquistas como a CLT tornaram-se patrimônio da cidadania; estatais como Petrobrás e Eletrobrás foram alçadas a ícones da soberania popular. Até os símbolos oficiais da pátria, como bandeira e hino, foram apropriados em chave popular, contrapondo-se ao monopólio conservador do patriotismo.
As lideranças também ganharam dimensão mítica: Getúlio Vargas tornou-se o “pai dos pobres”; João Goulart, mártir da democracia social; Brizola, o herdeiro da resistência no período pós-ditadura. Suas imagens, reelaboradas após a morte ou queda, consolidaram uma mitologia trabalhista enraizada na memória nacional.
Dessa forma, o Trabalhismo não foi apenas um programa político, mas uma construção simbólica capaz de unir soberania, justiça social e identidade popular. Sua herança segue presente nas disputas de memória e nas lutas contemporâneas por democracia e direitos.