Democracia direta como antídoto ao neo-coronelismo: A verdadeira solução para a segurança pública no Rio.

Democracia direta como antídoto ao neo-coronelismo: A verdadeira solução para a segurança pública no Rio.

Se precisamos de uma nova revolução de 30, que seja pela esquerda!
Daniel Albuquerque Abramo
– Escritor e jornalista. Secretário Geral Nacional da APR-PDT.🌹

O processo que ocorre há muitos anos no Rio de Janeiro, posto em evidência com a brutal chacina promovida pelo governo do estado no dia 28 de outubro, é uma expressão crua, de um fenômeno que atinge todo o Brasil. Se em território fluminense vemos com clareza o neo-coronelismo ocupando espaço após o ocaso do brizolismo, numa dimensão nacional podemos observar o retorno gradual da República Oligárquica após proclamada a morte de Getúlio Vargas por Fernando Henrique Cardoso e iniciado o ciclo neoliberal na década de 90, no desenrolar daquilo que deveria ser a Nova-República.

Não deveria espantar ninguém, portanto, que se a forma clássica de domínio político liberal da primeira república consistia no coronelismo clássico, de tipo majoritariamente rural, a forma de domínio neoliberal na “Nova velha República”, também oligárquica, se dê na forma de neo-coronelismo, de características urbanas e metropolitanas.

É um erro tremendo acreditar que a situação do estado do Rio de Janeiro seja fruto de “má gestão”, “incompetência”, “burrice”, ou tampouco questão de falta de recursos. Isso se trata, no fundo, de uma barreira ideológica que nos impede de entender a racionalidade do ato. Pelo contrário, portanto, devemos superar a aparência, compreendendo a essência do fenômeno, e perceber que isso é em si o projeto. Que se trata de um estado planejado de coisas, e que tudo assim permanece pois é funcional, econômica e politicamente para um grupo de pessoas.

Não adianta criticar apenas a falta de humanidade do ato da chacina em si, sem apontar o quanto ela cumpre um papel lógico e racional dentro do sistema de disputa pelo voto de territórios submetidos a violência e perda de seus direitos, seja por facções ou por grupos estatais. Essa é a dinâmica de tirania em territórios em que o estado formalmente não existe, seja no RJ, seja em quase qualquer lugar do Brasil. Não faltam, contudo, aqueles que, imbuídos de capital e poder hereditário, tenham especiais interesses de operar irregularidades dos mais diversos e anti-republicanos tipos onde não existe estado efetivo para investigar, julgar, e punir.

A relação entre poder político e econômico e crime organizado, para além de aparente e ocasional oposição, é simbiótica, sendo o crime organizado e as zonas de exclusão e territórios dominados pela tirania uma necessidade para existência e manutenção do poder político e econômico das oligarquias. Nesse sentido, ocorrem disputas políticas e de força entre o poder político formal em instâncias locais junto à sua face paramilitar extra-oficial (milícias, máfias de segurança, etc.), controlados em grande maioria por oligarquias, contra grupos e organizações criminosas.

Estas, porém, existem na forma de dialética de “batman e coringa” onde um justifica a necessidade do outro, sem tampouco o extinguir. Além disso, ocultando o próprio fato de que, em geral, tal combate se dá focalizando um grupo criminoso específico, sob reforço midiático, beneficiando com isso, outros grupos criminosos, alinhados ao grupo político oligárquico que comanda momentaneamente o poder formal.

Ao contrário do que se poderia imaginar, surpreendendo muitas pessoas, o que torna todo esse estado de coisas uma realidade, sustentando a existência dessa forma política abjeta de domínio, não são as armas, o uso da violência, nem tampouco as drogas, mas sim o princípio da representatividade liberal, atrelado à noção de voto como mera formalidade e destituído de substância política e cívica concreta.

As pessoas, seres humanos, moradores de áreas conflagradas e dominadas, ainda que despossuídas de poderes políticos reais e concretos, são vistas não como cidadãos, não como irmãos brasileiros, mas numa dupla medida, uma hora como “bandidos”, funcionais tanto para a propaganda eleitoral quanto para a função de bode expiatório social, e a cada dois anos, como a massa sem face de “votos” que garante e legitima a continuidade de todo o sistema, voltado especialmente para as pessoas que vivem fora de tais territórios. De sorte que, ainda que eventualmente uma oligarquia substitua a outra, o pacto sistêmico continua ocorrendo, alternando-se, eventualmente, também os grupos criminosos.

Os agentes políticos e públicos da ponta, que têm os primeiros contatos com tais territórios, em geral, são de nível municipal, por norma, vereadores. A partir da intermediação do voto de comunidades e territórios, negociando favores e posições políticas diretamente com líderes comunitários oficializados pelo poder paralelo da vez ou diretamente com os mesmos a depender da ocasião. Dentro dessa lógica política e rebaixada, que todos vivem, mas não criticam em sua essência, é de uma série de acordos de cúpula, no limite do que é legal, ético e moral, que se constrói um vereador. Muito menos pelo debate público e construção real e cívica do ideário republicano, mas sim partindo do controle de diversos territórios, currais eleitorais, e lideranças comunitárias. A partir da mediação de diversos vereadores, currais eleitorais, territórios, e lideranças comunitárias em um nível municipal, se faz prefeito, em uma dimensão estadual, se faz governador, deputado estadual, deputado federal e senador.

“A festa suprema da democracia brasileira”, as eleições presidenciais, portanto, configuram tão somente a soma de diversos espólios regionais obtidos em frenéticos acordos de cúpula, e muito pouco tem a ver com bem comum ou transformação e justiça social. Pelo contrário, em suma, representa a legitimação de todo sistema, ainda que eventualmente governado por uma esquerda estética que, na maioria, também se aproveita da funcionalidade dessa máquina de moer pretos, pobres e trabalhadores.

Cabe refletir, também, que, portanto, cada um dos 513 deputados, em geral, representa não “o povo” em abstrato como é ideologicamente assumido, mas os tiranos que centralizam os direitos políticos de tal povo que é invisível e compreendido concretamente como mero gado. Daí a preponderância do centrão no parlamento desde a redemocratização, dado que este tão somente é a “face sem rosto” preferencial da representação político partidária oligárquica, como esta se deu desde o princípio da organização da Nova-República. Inicialmente pelo MDB, se pulverizando por diversas agremiações que ideologicamente representavam o mesmo, até que atualmente retornam a se centralizar em partidos como UB e PSD.

Em um contexto de disputa interna da classe dominante brasileira, em que o PL representa uma fração relativamente mais agressiva da tendência exposta por todas as outras forças, incluindo os partidos sociais liberais. Todos cúmplices da morte de irmãs e irmãos brasileiros para sustentação de tal estado cínico de coisas. Muitos lucrando diretamente ou representando aqueles que o fazem, a partir do narcotráfico, milícias, e com a existência de zonas de exclusão e ausência de direitos.

Nesse sentido, não existe solução para a situação da “segurança pública” no estado do Rio de Janeiro pela via da guerra ostensiva às drogas, nem pela via do uso da inteligência policial, e tampouco pela via da educação em abstrato. A solução para tal problema, meus irmãos e irmãs, por mais contraintuitivo que possa parecer no primeiro momento, é o ataque àquilo que torna toda essa máquina possível, é a supressão da intermediação dos direitos políticos da massa que é invisível. A substituição do conceito formal de representatividade liberal, e a criação de um sistema de organização político e econômico que, por não seguir tal lógica, não torne os territórios dominados por facções, milícias, e pela tirania na ausência do estado, uma necessidade para sua própria existência, como faz o atual.

Isso, contudo, não ocorrerá por livre vontade daqueles que se beneficiam de tal organização do Brasil e do Rio. Ilusório seria imaginar que o tirano entregue a cadeira sem lutar pela manutenção de seu poder. Se faz, comprovadamente, portanto, necessária a organização e mobilização política das massas, contra a organização do sistema, na marra se necessário for, lutando pelo fim do sistema neo-coronelista, pela libertação do povo fluminense, e pelo retorno do projeto político histórico da classe trabalhadora brasileira, representada no Rio pelas lutas de Roberto Silveira, Prestes e Brizola. Todas as alternativas, quando de boa intenção, são fadadas ao fracasso, quando mal intencionadas, se trata apenas de engodo e ideologia.

Democracia direta como antídoto ao neo-coronelismo: A verdadeira solução para a segurança pública no Rio. Helicóptero sobrevoa comunidade carioca

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